sábado, 9 de março de 2024

POR QUE SE ADAPTAR?


(Jardim do Lago, Covilhã, Portugal - 20/01/2024)

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Você conhece a história do patinho feio? Imagino que sim e imagino também que você esteja pensando que hoje vou falar sobre autoestima, mas não necessariamente. 

Em realidade, quero falar sobre como nós nos forçamos a nos adaptar a ambientes, pessoas e situações que simplesmente não nos cabem. 

E de como quando não conseguimos nos encaixar, nos sentimos exatamente como o Patinho Feio: preteridos, rejeitados, insuficientes e incapazes. Porque era assim que ele se sentia e se via, você se lembra, não é? E por isso, ele tentava desesperadamente pertencer àquele lugar de pato o que só reforçava mais e mais o seu sentimento de inadequação.

Mas aqui vai uma novidade: ele não precisava disso. Assim como você não tem que se adaptar a tudo e a qualquer coisa porque existem lugares que não são mesmo para você estar. Existem pessoas com quem não há sentido em você conviver. E existem contextos que não te interessam.

Assim como o patinho tentou se encaixar entre os patos, muitas vezes nos encontramos em situações em que sentimos a pressão de nos conformar a padrões que não refletem nossa verdadeira essência. E isso é péssimo, é desgastante e traz muito sofrimento. Isso faz você questionar o seu valor, faz você se perder de si.

O patinho só percebeu que a bolha dele não era dele e não servia para ele, quando entrou em crise e pôde se abrir para a jornada da descoberta de si mesmo. Com outras experiências e contextos, ele notou que para viver uma vida normal, não precisava nem sofrer nem se esforçar tanto.

Porque ele não era um pato, era um cisne. E se você for também?

Aí, de repente, quem sabe… terapia!

quinta-feira, 15 de junho de 2023

COMO TOMAR BOAS DECISÕES?

   







(Miradouro das Portas do Sol, Covilhã, Portugal - 14/06/2023)

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 Quando as pessoas me perguntam sobre como tomar decisões, acho que elas esperam que eu vá responder algo muito complexo porque, afinal, nem cheguei aos 30, mas já tomei várias decisões arriscadas e que outros talvez não tomassem no meu lugar. 

    Mas, na verdade, a minha resposta é muito simples. Eu normalmente as olho nos olhos e lhes pergunto de volta: “o que você, aos 90 anos, gostaria de se lembrar, independentemente das consequências?”. 

    Porque pense bem: aos noventa anos nós já estamos numa fase da vida que está mais para terminal do que para inicial, né? E, sim, neste momento o dinheiro que juntamos faz diferença, mas de que nos adiantará ser o defunto mais rico do cemitério? 

    Onde moramos também fará diferença, é claro, mas não mais por muito tempo, assim como as pessoas que temos por perto. Elas, assim como nós, se mudam e se vão. 

    Mas, supondo que estejamos bem cognitivamente no fim da vida, o que teremos junto a nós todos os dias serão as consequências de todas as nossas escolhas de hoje e também as lembranças dos momentos que escolhemos para viver e sentir. 

    Quando eu pergunto sobre o que seu eu de noventa anos escolheria se lembrar, eu pergunto também o que o seu eu gostaria de ter vivido. Porque depois tudo vira história, para lembrar e para contar. 

    E se você não consegue nem mesmo se imaginar tomando este tipo de decisão, muito mais sobre você do que sobre o outro, bem... de repente, quem sabe... terapia!



quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

SOBRE AS "BOAS ESCOLHAS"

        


(Santiago de Compostela, Espanha - outubro de 2022)

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Ouço muito no consultório pessoas dizendo que jamais imaginaram que sofreriam o luto por terem saído de casa, quando aquilo era o que mais queriam e ir embora era uma boa opção. 

   Outras dizem que não conseguem entender como pode ser tão difícil e doloroso terminar um relacionamento, mesmo quando este relacionamento já vinha sendo a encarnação do fracasso e finalizar era a melhor escolha. 

      Algumas trazem o quanto é duro mudar de país, mesmo que todos pensem que o Brasil é horrível e que viver na Europa é sempre a melhor ideia. 

       Há, ainda, gente se julgando porque supostamente não deveria sentir amor por uma pessoa que lhe fez mal e, portanto, também não deveria se importar com o fato de tê-la deixado, pois essa era a melhor decisão.

    

    Talvez essas pessoas ainda não entendam que boas escolhas também doem.


        Escolher sempre implica em ganhar algo, mas também em perder algo. E isso significa que ao decidir por um caminho em detrimento de outro, você deverá lidar com o luto daquilo que foi perdido. Não importa o quão maravilhosa e assertiva foi a sua escolha, ela vai doer e não é por isso que você precisará voltar atrás ou rever a decisão. 

           De vez em quando a gente só precisa deixar doer e depois seguir. 

           E, de repente, quem sabe... Terapia!

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

VOCÊ SATISFAZ AS EXPECTATIVAS DE QUEM?

    


(Em cima de algum museu de Lisboa, Portugal - novembro de 2022)

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    Sim! Esse título é muito pertinente porque, sem perceber, você pode estar vivendo para satisfazer expectativas que não são suas e também nem tão boas assim.

    Tendemos a pensar no lado bom quando falamos de “expectativas dos outros”, não é verdade? Dizemos por aí que tal pessoa esperava que fossemos médicos ou que nossos familiares desejavam-nos um futuro brilhante. E em muitos casos pensamos que não podemos corresponder a tais idealizações porque queremos outros rumos. Isso é comum e cotidiano e fácil de dizer que não queremos. 

    Só que nos esquecemos que existe uma outra maneira de corresponder a expectativas. Aquela que ninguém fala e cuja vertente é um pouco mais "sombria".

    Não sei se você entende o que quero dizer, mas a verdade é que existem pessoas que nem sempre aguardam o melhor de nós ou para nós. Na verdade, as vezes esperam que a gente não consiga aquele emprego ou aquela grande chance. Ou, ainda, esperam que nosso relacionamento não dê certo e  que a gente não consiga passar na faculdade. Também tem uns e outros que dizem aos quatro cantos que não somos capazes, nem bons o suficiente.  Falam que é impossível ou que jamais alcançaremos algo.

E de vez em quando a gente acredita.

E vive em prol dessas expectativas.

Evitamos tentar, evitamos melhorar, evitamos sair da zona de conforto, evitamos seguir nossos sonhos.  Porque acreditamos que não podemos. Porque cremos nessas coisas que dizem para nós e sobre nós. 

    É uma pena pensar assim, mas de vez em quando vivemos pelas expectativas dos outros e essas expectativas nem sempre são assim tão boas. De repente, nos pegamos reproduzindo aquilo que pensam de nós e nos perdemos no meio disso tudo.

    A pergunta que precisamos nos fazer, então, é: eu tenho vivido pelas expectativas de quem?

    E, de repente, quem sabe... Terapia!

sábado, 18 de junho de 2022

SOBRE AS “VERDADES” NAS QUAIS ACREDITAMOS

   


(Pão de açúcar, Rio de Janeiro, Brasil - maio de 2018)

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 Quando eu era criança, quebrei um dente da frente e foi terrível. Ele já era permanente e não havia a possibilidade de eu fazer implante porque naquela época já era bem caro e mesmo assim não tão usual. Por isso, fiz uma resina e me lembro claramente da dentista dizendo:

- "Agora você não poderá mais comer maçã do amor."

    Foi triste e provavelmente estávamos na época de festas juninas. Eu tinha uns 10 anos e, desde então, nunca mais comi maçã do amor, acredita?

    Aquilo que a profissional me disse virou uma verdade na minha vida, eu me apoiei nesse comentário bobo para não comer algo do qual eu gostava e até comecei a pensar que não gostava tanto assim. Estava negando para dizer o mínimo.

    É óbvio que a dentista não fez por mal e é óbvio que eu é que colei em mim mesma o rótulo de alguém que não come maçã do amor porque tem um dente com resina. As vezes a gente faz isso, sabe? Pega uma frase e cola na testa, como se ela fosse capaz de nos definir. Foi o que aconteceu comigo: eu acreditei em uma "verdade" descabida por anos a fio e me neguei um prazer por muito tempo.

    Mas hoje, passando pela padaria da esquina, tive um daqueles "cliques" e questionei essa verdade. Depois de tantos anos, comi maçã do amor e posso dizer que eu gostava e gosto muito desse tipo de doce. 

    E, sabe, eu não fiz implante nesse dente, ele continua do mesmo jeito. Eu é que mudei. Comi maçã do amor cortadinha, olha só, porque é o que é possível para mim hoje. Dentro da minha pequena limitação, é o que posso fazer.

    E o mais importante: comer essa maçã do amor hoje me isso me ensinou três coisas fenomenais que espero que façam sentido para você também:

1 O que nós interpretamos daquilo que nos dizem pode determinar a nossa forma de ver e viver a vida. Nem sempre é culpa do outro ou do acaso, as vezes é a gente que se limita e nem percebe.

2 É preciso cuidado com as "verdades" que optamos por acreditar. Esses rótulos que nós pegamos dos manuais diagnósticos, dos profissionais, das pessoas que nem nos conhecem... Eles não são capazes de definir quem somos, são uma pequena parte de nós que as vezes podem nos ajudar a buscar e a encontrar outras formas de viver.

3 Há sempre uma maneira de flexibilizar e percorrer novos caminhos dentro do que é possível para nós. É só observar com um pouquinho mais de atenção.

    E, de repente, quem sabe... Terapia!

sábado, 18 de abril de 2020

"Freud" na Netflix (Spoiler)

Tem sido comum utilizarem o nome de figuras históricas em séries como uma forma de atrair o público. No entanto, quando deixam claro que é só para isso que aquele nome está lá, no título, não há grandes repercussões a respeito, até porque a arte pode usufruir da sua liberdade poética para criar. Este, é claro, não foi o caso da série Freud. 
O próprio roteirista, Marvin Kren, informou que a série traria muito da personalidade de Freud¹, que se ateriam a fatos históricos para transformá-lo em alguém que se envolve na investigação de crimes e etc. Deixando, assim, muitos leigos, psicanalistas, psicólogos e estudantes da área intrigados para algo que, no fim das contas, trouxe muito desgosto para quem assistiu e conhece a história real do pai da psicanálise. Para quem é psicanalista, a série foi um desgosto muito grande, bem como o modo que se referiram ao pai da psicanálise e aos seus conceitos. 
Para contextualizar, ressalta-se que esta série se passa em 1886, em Viena e retrata o jovem e desacreditado Freud e mais alguns outros personagens, como uma família de origem húngara, que inclusive tem um cachorro que se chama Sándor (que espero que não seja uma referência a Sándor Ferenczi), algumas vítimas de crimes horrendos, policiais, médicos e a família imperial.
Quem é da área até conseguiu perceber algumas sutilezas na série - como o uso do divã em alguns momentos -, da mesma forma que a cena em que Freud mata o pai e tem relação sexual com a mãe não soa tão estranha, pois percebe-se que é uma referência ao Complexo de Édipo. Para o público leigo, no entanto, a coisa fica meio esquisita.
Além disso, logo no primeiro episódio, temos um Freud charlatão, que pede para a empregada fingir-se de hipnotizada. Isso faz surgir, no imaginário popular, ideias errôneas e infundadas sobre a hipnose e a própria psicanálise. Freud não precisava, nem queria, pedir para alguém fingir-se de hipnotizado, até porque teve muitas demonstrações de histéricas sob hipnose em Paris. Ele, apesar de reconhecer as limitações e de não ser um exímio hipnotizador, sabia que aquilo funcionava de alguma maneira. Foi desacreditado pelos médicos não por ser um mentiroso, mas por seus métodos não se encaixarem nos preceitos da ciência da época.
Outro ponto a ser esclarecido é o fato de mostrarem um jovem médico viciado em cocaína e que, inclusive, bebe, enfia no nariz e etc, várias quantidades do entorpecente. Sem contar o fato de que aquilo na vida real o mataria, é importante comentar que na época os efeitos da cocaína estavam sendo descobertos. Freud usava e prescrevia, descobriu benefícios e com o tempo percebeu também os efeitos colaterais, o que o levou a interromper o uso. Na série, no entanto, aquilo está lá, mas parece que não serve a nenhum propósito além de comprometer a imagem do pai da psicanálise, já que o significado da droga hoje é bem diferente daquele tempo. 
Percebe-se, ainda, que no decorrer dos episódios os conceitos psicanalíticos foram jogados no público, sem qualquer explicação, fazendo da série um todo sem pé nem cabeça e até mesmo cansativa. Como exemplo disso temos a questão da paciente Fleur Salomé que acabou deixando algumas pessoas intrigadas se a moça afinal era histérica ou médium, assim como o diagnóstico de dissociação ficou muito mal encaixado, já que a jovem não só via coisas ou parecia criar em si dois personagens diferentes, ela também previa o futuro e falava com pessoas que realmente morreram, o que fazia tudo extrapolar de um caso de dissociação para uma questão mediúnica ou premonitória.
Além de Fleur Salomé nunca ter existido, Freud também não se envolveu com pacientes e recomendava a seus discípulos que não o fizessem. Ele também não tinha posses, então precisava se estabelecer para casar-se com Martha, por quem era muito apaixonado e dividia suas angústias e impressões acerca de pacientes. Eles realmente se casam na vida real e, inclusive, moram no local construído após o incêndio de um teatro, como é mostrado na série.
Martha tem um papel fundamental na vida de Freud, assim como suas pacientes histéricas o tiveram. Histéricas de verdade, com crises de paralisia ou cegueira, como aquela que aparece no hospital da série e os médicos mandam embora por estar fingindo.
A série esquece - ou esconde - a principal constatação freudiana de que não é porque uma doença tem origem na psique que ela deve ser deixada de lado ou considerada como insignificante. Aquelas mulheres(e homens!!) sofriam de verdade por questões inconscientes e suas vidas eram extremamente comprometidas a partir daí. Era preciso que alguém fizesse algo por essas pessoas.
Por fim, pondera-se que a psicanálise já recebe muitas críticas por não de assentar nos preceitos da ciência moderna - fala-se ate que a psicanálise seria uma ciência pós moderna - e produções como esta comprometem ainda mais a visão de pacientes e leigos sobre o tratamento psicanalítico. 
Por isso, é importante manter sempre a criticidade e beber em fontes confiáveis. Nem tudo que está no computador, no celular, no tablet e etc é real. Existem biografias muito boas sobre o pai da Psicanálise, leiam, informem-se².

¹ Link de acesso para a reportagem: 

² Biografias indicadas: 
Freud: uma vida para nosso tempo (Peter Gay)
Vida e obra de Sigmund Freud (Ernest Jones)
Sigmund Freud na Sua Época e Em Nosso Tempo (Elisabeth Roudinesco)

terça-feira, 7 de abril de 2020

É possível ter uma doença no corpo com causa psicológica?

Temos o costume de pensar que se estamos com determinado sintoma ele, com certeza, terá uma lesão orgânica que o justifique. Porém, para a nossa surpresa, às vezes vamos ao médico com toda uma sintomatologia e ele nos diz: "É só psicológico!". Nesse momento não sabemos se ficamos aliviados ou mais preocupados ainda porque continuamos com os sintomas e sofremos com eles, mas pelo menos não estamos fisicamente doentes.
O que também é muito comum é passarmos por determinada situação geradora de desequilíbrio emocional e algum tempo depois apresentarmos alguma doença. Vamos ao médico e ele também nos diz: "É psicológico!". E nós vamos embora sem saber muito bem o que fazer com isso, fisicamente doentes e com alguns remédios para comprar.
Aqui temos a diferença entre somatização (1º caso) e doença psicossomática (2º caso). Na primeira situação a pessoa tem sintomas físicos, porém não há exame que os comprovem; e na segunda, a pessoa tem sintomas físicos atestados por exames, porém estes foram ocasionados por algum evento que incitou forte emoção no paciente. O fato é que ambos os casos denotam a relação estreita entre corpo e mente e a necessidade de se dar atenção aos aspectos psicológicos nas doenças.
Há uma frase famosa em termos de estudos sobre Psicossomática, na qual Perestrelho(1964 apud MELLO FILHO et al., 2010)afirma que não se deve dizer que existem doenças psicossomáticas, mas sim que todas as doenças são psicossomáticas. E, se avaliarmos bem, mesmo que não haja uma causa psicológica para a origem de uma doença física, esta terá repercussões psicológicas. Por exemplo: alguém que tem câncer pode apresentar várias reações emocionais ao diagnóstico e poderá, até mesmo, desenvolver transtornos psicológicos à partir da descoberta. E não só o câncer, mas também as alergias, gastrites, insônias, gripes, diarreias e etc.
E, para finalizar, vale ressaltar que não é porque você tem ou conhece alguém que tenha uma “doença psicológica” que o tratamento pode ser dispensado. Aquilo que é psicológico pode ter efeitos muito sérios no que é físico. Existem doenças psicossomáticas que podem levar o indivíduo a morte e, por isso, a pessoa precisa de acompanhamento. E não só de um médico, mas também de um psicólogo. Da mesma forma acontece com as somatizações: como dito anteriormente, temos a infeliz ideia de considerar que apenas aquilo que pode ser visto ou localizado no corpo merece atenção e não é bem assim. Nossa mente tem tanto efeito sobre o corpo quando o contrário e por isso não se pode negligenciar tais casos. Corpo, mente e social interagem-se constantemente. Lembre-se disso.


Referência:

MELLO FILHO, Julio de. Psicossomática Hoje, 2ª ed, Artmed, 2010.

domingo, 5 de abril de 2020

COVID-19 e Saúde Mental

De dentro de nossas casas olhamos pelas janelas e vemos belos dias: ensolarados, gostosos e... tranquilos? Sim, tranquilos. Por um instante percebemos que, por incrível que pareça, a vida segue e o mundo continua girando. Realizamos, ainda, que somos finitos, passageiros, substituíveis e que as coisas existem com ou sem a gente.
Ouvimos poucos carros e não encontramos quase ninguém na rua; poucas risadas, nenhum contato físico e olhares de soslaio. As lojas estão fechadas, mas os hospitais estão cheios; não podemos trabalhar, mas também não estamos de férias.
Perdemos o controle: ele escapou de nossas mãos como sabão no banho. Tudo é incerto, tememos o futuro e as paredes de nossas casas nos sufocam. Não achamos o que fazer: limpamos os cômodos, arrumamos os armários, comemos e damos comida para nossos animais ou filhos, vemos filmes e séries e lemos livros e assistimos TV e inventamos receitas e jogamos o tempo fora olhando as redes sociais e... nada. É difícil preencher o dia.
E mais! É difícil estarmos isolados com nós mesmos. Não nos conhecemos e nem ousamos. Tentamos parecer bem e focados para não precisamos enfrentar nossos monstros internos e nos responsabilizarmos por eles.
Também, de qualquer forma, COVID-19 nos acompanha desde o momento em que acordamos até a hora que dormimos. O vírus ditará as próximas regras e nós teremos de aceitá-las, gostando ou não, perdendo dinheiro ou não, deixando empregos ou não e, é claro, enlutados pelas pessoas que amamos ou não.


São tempos horríveis, tenebrosos, não há como fingir que não são. A ansiedade nos toma por completo e nós sofremos com as infinitas possibilidades que o destino nos reserva a partir de agora. Temos medo, temos crises, temos surtos... às vezes nos sentimos bem e outras nos vemos por um fio.
Não tenha vergonha de pedir ajuda, aliás, tenha coragem. Coragem para lidar com você mesmo.


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Ir ao psicólogo não é como conversar com um amigo

Sabemos bem a função de um bom amigo: ele nos ouve falar das felicidades/tristezas e compartilha das mesmas, dá conselhos, julga nossas escolhas, interfere em algumas de nossas ações e, às vezes, até se responsabiliza conosco por algumas delas. Vive-se com um amigo momentos que poderão estar para sempre em nossas memórias e corações, para o bem ou para o mal. Amigos nos conhecem mais que qualquer outra pessoa e nós também os conhecemos, frequentamos suas casas e intimidades.
Mas um bom amigo jamais será como um bom psicólogo, apesar do público leigo considerar que são semelhantes em alguns pontos para, assim, conseguir uma boa desculpa para evitar a terapia.
Algumas pessoas costumam desmerecer o trabalho do profissional de Psicologia dizendo que não há motivos para fazer terapia, quando não farão lá nada além de conversar com o psicólogo e que isso podemos fazer com qualquer um. Porém, não é bem assim que o trabalho deste profissional se desenvolve. Aliás, falar com um psicólogo não é o mesmo que conversar com uma pessoa qualquer, mas este é um tema para outra hora...
O fato é que o psicólogo é diferente de um amigo porque ele não somente ouve, como escuta nossas felicidades e tristezas (mais as tristezas, porque quase ninguém vai a terapia para falar das coisas boas da vida). Ele não dá conselhos, nem, necessariamente, mostra caminhos - esta é uma sensação do sujeito em análise -, mas nos leva a refletir sobre nossos padrões e repetições, sobre aquilo de nós que há no outro e nossas maneiras de obter satisfação pela vida. Esse profissional também não se responsabilizará pelas decisões do paciente, pois estas só podem ser tomadas por ele e, aliás, submeter-se a uma jornada de terapia é, também, aprender a responsabilizar-se por si e por seus atos e desejos. 
E, apesar de jamais esquecermos a experiência da análise, a relação com o psicólogo é profissional e, por mais estranho que isso pareça, ele sabe muito sobre nós e nós quase nada sabemos sobre ele. Há uma espécie de intimidade, mas não uma amizade entre ambos. Esse limite é importante para o desenvolvimento do processo terapêutico, pois tudo o que é dito na sessão deve girar em torno do paciente e este falará muito mais do que o próprio psicólogo. 
Além disso, há ainda uma diferença primordial entre um amigo e um psicólogo: o segundo preza pela confidencialidade e por uma tentativa de neutralidade. Um profissional de psicologia é regido por um conselho e há um código de ética que precisa ser seguido, o que dá a essa relação terapeuta X paciente maior segurança.
Por fim, vale ressaltar que uma boa amizade é fundamental para a saúde mental, da mesma forma que a terapia também é. Muitas vezes passamos por situações difíceis com as quais não sabemos lidar e precisamos de ajuda profissional para refletir sobre nossos problemas, coisa que não nos torna mais frágeis ou vulneráveis. Na verdade, aventurar-se em uma análise pessoal é um ato de grande coragem... e por mais que tenhamos bons amigos, nem sempre eles são capazes de nos levar a análises profundas que, em determinados momentos, são imprescindíveis.

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Psicologia: o estudo da alma

Usa-se o termo "psicologia" de muitas maneiras no cotidiano, porém essas formas de falar sobre não necessariamente se referem à Psicologia como um campo do saber, mas sim a um entendimento do senso comum acerca dela.
Usualmente tratada como uma unidade, a Psicologia é considerada por alguns como a fórmula mágica para apreender o ser humano e sua mente, da mesma forma que o psicólogo, no entendimento popular, é o profissional que dá conselhos, ensina caminhos e, é claro, que pode compreender tudo o que passa na cabeça dos pacientes. 
E mais, por ter estreita relação com a Psiquiatria, pensa-se que só vai a um consultório de Psicologia a pessoa que apresenta algum transtorno mental, reforçando a ideia de que psicólogos e psiquiatras só atendem "doidos". 
O fato é que, mesmo considerando a sabedoria do senso comum, pode-se afirmar que não é exatamente a isso que a Psicologia e os profissionais da área se propõem. 
Em princípio, vale destacar que esse campo do saber apresenta uma variedade enorme de intervenções e visões acerca do ser humano e suas relações. Como destacado no livro História da Psicologia: rumos e percursos, não existe uma singularidade nem mesmo no surgimento da Psicologia, posto que há inúmeras formas de pensá-la e concebê-la, bem como de intervir e praticar no que se entende por "campo psicológico". 
Tal argumentação se traduz nas diversas abordagens da Psicologia e suas formas de intervenção sobre o sujeito que sofre. Dentre tantas, podemos citar algumas já bastante conhecidas, como a Gestalt, a Psicanálise, a Psicologia Social, o Behaviorismo e a Psicologia Cognitiva, as quais, mesmo estando dentro do que entendemos por Psicologia, possuem visões e intervenções sobre os pacientes às vezes semelhantes e outras completamente opostas. E além disso, mesmo estas linhas possuem outras "dentro" delas.
Outro ponto interessante é que até o objeto de estudo da Psicologia pode variar. Como assevera Bock et. al. (2001), se perguntarmos a um psicólogo comportamental sobre isso, ele responderá que o objeto de estudo da Psicologia é o comportamento, assim como um psicanalista dirá que é o inconsciente.  Por isso e muitas outras questões, considera-se que grande parte do saber psicológico não pode inserir-se no paradigma da ciência moderna.
Isso não significa, porém, que não possamos tratar a Psicologia como uma ciência ou que suas abordagens e visões de mundo não possam ser consideradas científicas. De maneira alguma a prática psicológica pode confundir-se com adivinhação ou misticismo. 
A Psicologia é, na verdade, dotada de longa história, muitas teorias e vários teóricos. Uma profissão regulamentada no Brasil há quase 58 anos e que vem se transformando ao longo do tempo, assim como o próprio ser humano. 
Assim, sua contribuição para as diversas áreas do conhecimento é ímpar, posto que faz surgir reflexões mais complexas e profundas sobre o próprio cotidiano, o superficial, o normal e o patológico. A prática psicológica é plural e onde existirem pessoas será possível que o psicólogo atue.

Referências:

JACÓ-VILELA,  Ana Maria; FERREIRA,  Arthur Arruda Leal; PORTUGAL, Francisco Teixeira. História da psicologia: rumos e percursos. Rio de Janeiro: Nau, 2006. 598 p.

BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria De Lourdes Trassi. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva, 2001. 490 p.